quarta-feira, 11 de março de 2009

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Começando Chico.

Ato 1. Guerra.

O ano não importa, nem dia nem mês... tudo foi perdido...
Estamos contando apenas os dias que passaram após as primeiras aparições destes seres.
Não há lugar seguro, nem vila ou aldeia intacta...
Nossas amadas Prir estão em chamas, nossas cidades cintilantes, outrora ricas e prósperas, agora são envoltas pelo cinza da fuligem e pelo odor do medo...
Eles caminham e devastam tudo e todos.
Não sei se vieram do inferno ou de nossos pesadelos, so sei que vieram e vieram em hordas.

O crepúsculo se anuncia no horizonte.
O céu está avermelhado, seus poucos raios iluminam um trecho do vale de Yse, um lugar bonito naturalmente, ou assim o era.
Tal Shiar, uma pequena cidade, sem muros ou guarnição ficava neste belo lugar.
Muitos nem a viam como cidade e sim com um posto comercial. O último lugar de Antorphia aonde a civilização ainda residia antes de Mor-Al-Ratir, o grande deserto branco, uma terra inóspita por vários e vários dias a cavalo e jamais atravessado a pé.

No passado Tal Shiar gozara da reputação de ser uma cidadela comercial, caravanas vindas dos reinos exóticos de Calas, Parini e Uris eram constantes.
A toda hora especiarias destes lugares passavam por ali, inúmeros mercadores de todos os tipos. Era fácil achar frutas cítricas e saborosas mesmo no mais duro inverno, armas de excelente qualidade, roupas extravagantes e até mesmo um tipo de diversão que so havia em Calas e ali, casas de banho.
Tudo isso ficou no passado, meses, talvez mais de um ano no passado.
Hoje, Tal Shiar era uma fortaleza.

Os paredões de rocha firme ladeando sua entrada, estendendo se por 400 metros em direção ao deserto, um corredor natural e a salvação de Tal Shiar quando a loucura tomou conta dos campos, vilas e cidades.
Ali, enquanto o sol morria no horizonte, sobre uma paliçada dupla, um homem fita firmemente os bosques a frente da cidadela.

O ar pesava como uma armadura, era difícil respirar, o dia tinha sido quente.
A relva pisoteada por metros a frente dos portões da paliçada estava seca apenas um estreito caminho não era coberto pelo mato alto, a antiga estrada de pedras que levava aos caminhos para Prir Anthor e Prir Radir, uma nuvem de poeira pairava no ar. Não se ouvia qualquer ruido, um silêncio aterrador, o típico silencio que precede algo ruim.

homens corriam para dentro da cidadela, passando pelo portão o mais rápido que podiam, carregando cada um pesados potes de barro, grandes como melancias.
Ao longe um estranho som começa a surgir, surdo, ritmado, um som que todos os corações dos homens aprenderam a amaldiçoar, tambores de guerra.

Os últimos homens passam pelo portão, o mesmo é fechado as pressas, homens bloqueiam no com grandes e pesadas vigas de madeira marteladas ao chão.
Cinqüenta homens com piques se posicionam na frente do portão, uma massa de homens e metal.
Arqueiros correm pelas plataformas da paliçada, cem homens ao todo, alguns testam seus arcos, outros olham inquietos para frente.

O homem que olhava atento o horizonte desce da paliçada e dirige se ao grupo de piqueiros em frente ao portão.

- Senhores! Talvez hoje eles venham a romper o portão, precisarei de vocês prontos pra lutar.
Alguns risos surgem da massa de homens e um deles grita ao homem.
-Senhor! Todas as vezes diz isto a nós, nunca este portão foi derrubado e se o for hoje nada passará por nós!
O homem sorri com um meio sorriso e sacode a cabeção em sinal de afirmação.
Um ruidoso urro surge da massa de homens...
- Não esperaria menos de vocês meus nobres amigos. Somos poucos mas somos forjados pelo calor da batalha. Duros como aço e é isso que aquelas criaturas temem, somos guerreiros e não cortesãos em armaduras.
Outro urro surge da massa de homens.
-Arghan! Arghan! Eles falam em uníssono.
Este é Arghan, misterioso e soturno, pouco se sabe de seu passado.

Um cavaleiro vestindo uma armadura leve se aproxima de Arghan.
-Senhor, as forças deles se aproximam da borda do bosque.
-Obrigado Balist, monte formação com seus homens, se tudo der certo precisarei de vocês preparados para agirem rapidamente.
-Sim senhor.
Balist retira se fazendo uma reverencia curta. Arghan sobe em uma das plataformas dos arqueiros, dez arqueiros o observam e o reverenciam.
-Senhores, façamo os hoje desejarem jamais terem saido de suas tocas imundas.
Arghan fala em alto e bom tom para que todos o ouvissem, gargalhadas brotam entre os arqueiros.
Os tambores param, uma horda de criaturas das mais diversas desdobram se pela borda do bosque, são muitos, centenas com toda certeza.
Estandartes de trapos pintados com sangue surgem, ao todo vinte.

Um homem corre sobre as plataformas carregando uma tocha, acende pequenos braseiros que logo se incendeiam. A última plataforma é a de Arghan, o homem olha em direção a ele e diz:
-Arghan, todos estão acesos, Ilburn contou por alto as fileiras de criaturas. São quatro fileiras, dispostas em parede, ao todo ele acha terem oitocentas criaturas.
-Entendo, avise Ilburn para se preparar, preciso que ele e sua equipe preparem o trabuco para arremessar os potes de betume como combinamos.
-Certo senhor.
O homem corre em direção a cidade, passa pelo segundo portão que da acesso a cidade.
Uma bandeira se ergue em uma pequena torre encravada no paredão esquerdo da cidadela... o inimigo está a quinhentos metros. Outra bandeira surge, asteada sobre um mastro, é o sinal de Ilbur, o trabuco esta pronto, carregado e calibrado para trezentos metros.

Os tambores voltam a soar, gritos e gargalhadas são ouvidos vindo da horda de seres grotescos. São diabretes, de tons cinzas e avermelhados, criatura vis e macabras, assemelham se a humanos mas são menores e asquerosas.
Também os acompanham alguns mortos vivos, criaturas aterradoras, corpos ambulantes sem alma desesperados por carne, amaldiçoados por uma magia cruel.

Eles marcham, de forma desordenada... marcham por cem metros sem nenhum esboço dos defensores de Tal Shiar.
Mais cem metros, agora estão a trezentos metros da paliçada, já é possível sentir o odor putrefato que eles tem, tal como carniça eles fedem.
Dois arqueiros envergam seus arcos, um em cada ponta da paliçada, suas flechas em chamas brilham na semi escuridão da noite que se iniciava.
Ambas são lançadas ao ar, sibilam como duas serpentes, voam alto realizando uma parábola, as criaturas avançam mais cinqüenta metros, as flechas caem, inertes, uma em cada lado da relva seca, as chamas solitárias das flechas aumenta e se espalha com a velocidade de um relâmpago. O inferno surge diante da horda. duas colunas de fogo atravessam a formação. A noite desaparece para todos.

A relva é consumida pelo fogo rapidamente, encharcada de betume ela queima por 200 metros e avança sobre as fileiras do inimigo.
O pânico se espalha entre a horda, sua formação está quebrada, muitos gritam de dor, algumas criaturas correm desorientadas, algumas retomam a formação em uma linha dentro do caminho de pedras e continuam a avançar, porém o estrago já foi feito, mais da metade deles ou está queimando ou fugindo apavorado para o bosque.
Os mortos vivos se arrastam, foram dizimados pelo fogo. Os diabretes tentam se organizar, há alguns entre eles que parecem terem o comando das tropas.

Um imenso barulho de madeira rangido corta o ar, voando por sobre os homens com piques e os arqueiros uma mancha marrom, um gigantesco pote de barro cozinho, ele se estilhaça sobre a parede de escudos do inimigo, bem no meio da formação que ainda insistia em avançar para o portão da paliçada. O betume do pote escorre por suas cabeças, lambuza seus escudos e o dor penetra lhes a narina, so agora se dão conta que não há mais escapatória e esboçam uma retirada... inútil, uma nuvem de flechas em chamas corta o ar e golpeia diretamente a coluna de escudos.
Não a esperança para o inimigo, agora a torta coluna em formação de caixa queima e o inferno chegou para aquelas criaturas hediondas.
As que ainda restavam ou fugiam em direção a Tal Shiar eram alvejadas pelos arqueiros, Arghan salta da plataforma e corre em direção a Balist acenando para uma dúzia de homens para que desbloqueiem o portão.
-Balist! Vá e arrase os que ainda estão sobre os joelhos! Se possível traga me um vivo.
-Entendi senhor! Vamos homens!

Um grupo de trinta ginetes liderados por Balist passam em rápido galope pelo portão ainda se abrindo, eles formam uma linha, mortal e veloz que atravessa o fogo, intercepta a retirada das criaturas e massacra os que ainda esboçam luta...
Um arqueiro grita de uma das plataformas ele indica a direção do rio que passa a direita da montanha em direção a Prir Anthor, parece que ele feriu as duas pernas de uma das criaturas e ela não consegue andar.

Arghan corre conduzindo alguns homens pela parte externa da paliçada, eles enfrentam algumas criaturas que conseguiram fugir em direção ao rio, e alcançam o ferido que se debate e urra.
Um dos piqueiros desfere um golpe que atravessa a coxa da monstruosidade, o ser urra de dor e desmaia, os outros amarram suas pernas e o arrastam para dentro da paliçada, Arghan ergue o rosto e vê por entre a nuvem de fuligem que as criaturas batem em retirada, de fato o que sobrou deles, menos de uma hora foi o tempo da batalha. Sem expressar alegria ou tristeza ele caminha pela parte externa paliçada olhando a destruição ao redor.

O chão está coberto de corpos retorcidos e mutilados, um meio sorriso surgem em seu rosto, alívio ou satisfação? Talvez ambos, não surgiu nenhuma bandeira preta sobre a torre de vigia, não houve baixa alguma nesta noite.
Balist surge pelo caminho de pedras conduzindo seus ginetes, os dois últimos carregam uma rede com uma criatura aos berros.
Balist e Arghan se entre olham e se reverenciam com as cabeças. Uma noite memorável, uma noite que os dois cautelosamente planejaram junto com Olde Ilburn, o prefeito de Tal Shiar.

Arghan caminha em direção ao portão, vira se e da uma última olhada para o campo queimado a sua frente, dois batedores passam por ele, certamente Balist os enviou para sondarem o terreno e ver em que direção as criaturas fugiram.
Arghan olha fixamente para o bosque certo de que alguém o olha em retribuição.
Ele caminha lentamente, os portões de Tal Shiar se fecham as suas costas e seus homens festejam uma brilhante vitória.
Todos gritam, gargalham e festejam menos Arghan, ele sabe que as criaturas voltarão, não essa noite, nem nas próximas, talvez demorem algumas semanas, mas voltarão.

Ato 2. Tal Shiar

Uma trombeta soa alto, dois toques, um sinal para o povo de Tal Shiar que a batalha foi vencida.
Pouco a pouco as luzes da cidade são acesas, de janela em janela brota uma chama, como se da escuridão brotassem focos de esperança.
Em alguns minutos toda a cidade esta iluminada, o brilho de cada casa, cada lampião brilha e banha com a luz amarelada as ruas, batentes e portas.
Surge da escuridão uma cidadela, grande, não tão grande como as Prir, mas muito bela.
Suas construções são dispostas pelo longo e amplo corredor que mais é uma avenida. Galerias esculpidas nos paredões são os núcleos de comércio e habitação.

Uma cidadela feita sob a montanha em formato de corredor, e no fim desse corredor um lugar ainda intocado pelas criaturas.
Tal Shiar deve sua importância comercial devido a estar na única falha da cordilheira dos Parais, uma cadeia de montanhas muito alta e que se extendia por quilometros em ambos os lados, separando Antorphia do reino de Calas.
Haviam duas formas de se comunicarem, pelo rio que corria e passava pela base da montanha indo em direção ao mar, tendo em Tal Shiar um pequeno porto ou uma viagem por uma semana pelo mar, o grande Verde como era chamado, um mar revolto, com a costa crivada de barreiras de corais e pedras.

Poucos eram os que se aventuravam por ele, a passagem por Tal Shiar era a mais segura e frequentada.
O rio Alancar, para Antorphianos, era uma fonte vital de comunicação entre os reinos, tanto para com Calas quanto para Parini. Apenas Uris era distânte demais, selvagem demais e incomunicável diretamente.
Muitos mercadores de Calas iam a Uris, mas era uma jornada perigosa, um reino frio, dividido em muitas unidades administrativas e em constante guerra civil.

Mas perdõe me, me alonguei demais em explicar lhes detalhes de minha terra e nem me apresentei. Eu sou Ilian Boarn, biógrafo de Tal Shiar, e nas proximas páginas, biografo deste periodo terrivel em que nos encontramos.
Eu veajei e lutei ao lado de homens incriveis nestes dias do meu passado. Hoje sou um velho funcionário publico na mesma Tal Shiar, mas todos os dias eu olho pela janela de meu gabinete e lembro daqueles dias. Dias de glória, espadas e tristeza! Dias que eu não desejo que voltem mas também não me arrependo de ter vivido.